quarta-feira, agosto 30, 2006

Menina apresentou queixa

Drama - ‘Correctivo’ leva menor ao hospital

Miguel Azevedo
correio da manhã 30/08/2006

Mesmo depois de ter sido sovada pela mãe, alegadamente na sequência de um “correctivo”, Ana Mara [nome fictício], de 12 anos, teve forças para fugir de casa, no Bairro 6 de Maio, na Amadora, e apresentar queixa na Polícia.
A criança deverá ficar internada até estarem reunidas todas as condições de segurança no agregado familiar

A menina, que quinta-feira passada deu entrada no Hospital Amadora-Sintra com hematomas nas costas e nos braços, conseguiu, apurou o CM, escapar-se, às escondidas da mãe e do padrasto, e refugiar-se na esquadra da PSP da Mina, próximo de sua casa. Foi assistida ainda no local por uma equipa do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) que lhe prestou os primeiros socorros e lhe fez a devida avaliação dos sinais vitais. Segundo fonte do INEM, “a menina estava bastante queixosa e apresentava hematomas e edemas nas costas e nos braços, mas não tinha ferimentos sangrantes”.

Foi depois transportada ao Hospital Amadora-Sintra, onde ontem, seis dias depois da agressão, ainda se encontrava internada com justificação clínica. Fonte daquela unidade avançou ao CM que, por indicação da Comissão de Protecção de Menores, a criança só deverá ter alta “quando estiverem salvaguardadas as garantias de segurança”.

Segundo consta, pouco depois da agressão, as autoridades policiais dirigiram-se a casa da menina quando a mãe e o padrasto desta julgavam que ela se encontrava no quarto a dormir.

Confrontada com o sucedido, a mãe acabou por confessar a agressão, explicando às autoridades que tudo tinha acontecido no seguimento de um “correctivo”, soube o CM. Consta, no entanto, que terá mostrado algum arrependimento e que terá mesmo acompanhado a filha ao hospital. Segundo fonte policial, corre também a versão de que a menina terá sido agredida pelo padrasto.

A verdade é que a confirmar-se o acto da mãe, o mais provável é que quando deixar o Hospital Amadora-Sintra, Ana Mara seja transportada directamente para uma casa de acolhimento. O caso está a ser avaliado pela Comissão de Protecção de Menores da Amadora.

1200 CASOS EM APENAS TR~ES ANOS

No período de três anos, o Hospital Amadora-Sintra referenciou ao Serviço Social cerca de 1200 casos de crianças e jovens por problemas sociais – uma média de 400 por ano. Os dados incluem casos de violência, abuso sexual e negligência e foram avançados, no início do mês, ao CM por Maria do Céu Machado, directora do Serviço de Pediatria. Especificou ainda aquela responsável que dez a 15 casos por ano têm a ver com violência sexual.

“Nós, médicos, habituámo-nos a ter um olhar suspeito. Apesar de o serviço ser enorme, como temos reuniões diárias de discussão de doentes, acabamos por conhecer os nomes das crianças e as patologias. Às vezes percebemos que aquela crianças chegou pela terceira vez ao hospital com o mesmo problema e referimos isso ao serviço social”, disse.

COMISSÃO CONHECIA A MENOR

O caso é dramático, mas a verdade é que Ana Mara há muito que está referenciada pela Comissão de Protecção de Menores da Amadora, embora as referências não tenham a ver com violência exercida directamente sobre a menor.

Segundo Maria da Luz Leitão, secretária da Comissão, “a situação da criança já era conhecida, não por suspeita de maus tratos mas por viver num agregado familiar em que há conflitos”. Aquela responsável acredita, por isso, que este terá sido um caso de “violência pontual”.

De resto, esta é uma situação recorrente em bairros especialmente problemáticos, como é precisamente o caso do 6 de Maio. Maria da Luz Leitão refere ainda que, por vezes, por questões culturais, “as pessoas não se apercebem de que o castigo físico é o mesmo que maus tratos”. A Comissão foi alertada pelo Hospital Amadora-Sintra logo na noite de quinta-feira, assim que os responsáveis daquela unidade hospitalar suspeitaram que a criança tinha sido vítima de maus tratos.

Como habitualmente neste casos, a Comissão pediu depois o envolvimento dos responsáveis pela criança, no caso a mãe, para resolver os problemas, de modo a proteger os interesses da menor, explicou Maria da Luz Leitão.

NOTAS DE VERGONHA

ONU APONTA PORTUGAL

Segundo a UNICEF, Portugal é dos países onde o número de mortes de crianças por maus tratos é mais elevado. Em Portugal, 66 crianças morrem por ano devido a violência.

FÁTIMA L.

A bebé Fátima L. foi internada no ano passado em Viseu vítima de maus tratos cometidos pelos pais. Tinha um mês e meio e apresentava fractura craniana, lesões no ânus e outras partes do corpo.

O CASO VANESSA

Vanessa, com apenas cinco anos, foi morta e lançada ao Rio Douro no ano passado. Pai e avó foram condenados por maus tratos continuados.

'ESTALADA' PERDOADA

Em Abril, o Supremo Tribunal de Justiça considerou “lícito” e “aceitável” o comportamento da responsável de um lar de crianças deficientes mentais de Setúbal acusada de maus tratos a vários jovens.

Ligação à notícia original